A influência dos desenhos animados no comportamento de uma criança autista

por Francisco Paiva Jr., em 21 de março de 2017

Até os três anos de idade Owen Suskind foi um bebê como qualquer outro, apresentando desenvolvimento normal. Mas aos poucos e sem causa aparente ele foi perdendo suas habilidades motoras e se tornando uma criança quieta, triste, até parou de falar. Owen se fechou para o mundo e para as interações sociais.

Percebendo que havia algo errado, os pais foram em busca de respostas e especialistas. O diagnóstico veio em janeiro de 1994: autismo. Como lidar com essa ingrata surpresa? Como aceitar que uma criança até então “normal” tinha regredido em seu comportamento? De onde veio esse autismo? O que fazer para retomar a interação com o filho e ouvi-lo falar outra vez? Essas e outras inúmeras dúvidas, tão comuns a muitos pais quando recebem o diagnóstico, passavam pela cabeça de Ron e Cornelia, pais de Owen. As respostas, ou pelo menos o ponto de partida, vieram de onde eles menos esperavam: os desenhos animados da Disney.

A história resumida nos dois parágrafos acima é contada no documentário “Life, Animated”. Baseado no livro de Ron Suskind, pai de Owen, o filme mostra a relação que o garotinho autista desenvolveu com as obras dos estúdios Disney e como isso contribuiu para o seu desenvolvimento. Alternando clipes da Disney, animações personalizadas, entrevistas e vídeos reais gravados pela família, com depoimentos dos pais, do irmão e do próprio Owen, “Life, Animated” passa por todos os momentos do diagnóstico, desde a angústia e impotência da família diante da condição desconhecida, até as pequenas descobertas do dia a dia, além de trechos da vida de Owen aos 23 anos.

O que a Disney tem a ver com o autismo?

Ao longo do documentário os pais relatam como o processo foi lento e doloroso, tendo Cornelia que abdicar do trabalho para acompanhar o filho e cuidar da rotina de terapias. A repetição, característica típica das pessoas com autismo, se manifestou em Owen na sua obsessão pelos filmes e desenhos animados da Disney. Mesmo com problemas motores o garotinho conseguiu dominar as funções do controle remoto do gravador de vídeos, o que lhe permitia assistir os mesmos filmes repetidamente e rebobinar muitas e muitas vezes suas cenas preferidas. A atividade era uma das poucas que toda a família conseguia compartilhar com Owen e foi uma das grandes responsáveis por ele voltar a falar, conduzindo-o do mundo imaginário para as interações do mundo real.

Por orientação dos profissionais que cuidavam da criança, os pais reduziram o tempo que ele passava assistindo os filmes e desenhos, e intensificaram as terapias de fala. Ainda assim o progresso de Owen era lento: aos 6 anos ele conseguia falar apenas sentenças simples e parecia alheio ao mundo à sua volta. Mas o que os profissionais de saúde não sabiam, e os pais nem imaginavam, é que as animações da Disney não eram apenas uma mania ou uma forma de descomprimir.

O avanço foi percebido na noite do aniversário do filho mais velho, Walter. Vendo que o irmão estava um pouco triste, Owen disse: “Walter não quer crescer — como Peter Pan e Mogli”. A fala completa e cheia de significado para a ocasião deixou os pais espantados. Ron, então, resolveu fazer um teste: pegou um dos bonecos que o filho mais gostava (o Jafar, de Aladdin) e imitando a voz do personagem do filme perguntou para o filho: “Como é ser você?”. Owen, sem fazer nenhuma imitação, respondeu: “Não estou feliz. Eu não tenho amigos. Não consigo entender o que as pessoas dizem.” Nesse momento, Ron e Cornelia perceberam que uma porta se abria para eles entrarem no mundo do filho e trazê-lo para o mundo real. Os filmes e animações da Disney eram a ferramenta de Owen para interpretar a realidade.

A família Suskind decidiu então procurar um terapeuta que entendesse a situação sob esse ponto de vista — e encontraram apoio no psicólogo Dan Griffin. O profissional levou para as sessões de terapia a paixão de Owen pelas animações, aproveitando o envolvimento e a energia do garoto para tratá-lo. O resultado é visível no filme: um homem independente, hoje com 25 anos de idade, morando sozinho, tendo um relacionamento e trabalhando. Tudo o que qualquer pai e mãe sonha para seus filhos, não é mesmo?

Ficou curioso para ver o filme? A boa notícia é que ele está disponível na Netflix Brasil. Assista, curta e compartilhe esta dica. 😉