Que o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) tem um forte componente genético não resta dúvida. Mas quando ele manifesta os primeiros sintomas?

Pesquisadores americanos e europeus estão em busca de sinais da manifestação do autismo antes mesmo da pessoa nascer. O objetivo não é diagnosticar o TEA ou influenciar a decisão dos pais sobre a gravidez. Eles querem entender quais regiões do cérebro e mudanças estruturais contribuem para o espectro. Para encontrar respostas apostam nas varreduras cerebrais, método utilizado para compreender outras condições, como cardiopatias congênitas. Mas de onde surgiu a ideia de que o autismo pode existir já no feto?

O contexto

Exames cerebrais feitos em pessoas autistas têm revelado cada vez mais informações sobre estruturas e padrões de atividade atípicos. Mas em que momento da vida essas alterações surgem? É esta a pergunta que os cientistas querem responder. Para isso eles pretendem investigar os fundamentos biológicos do TEA o mais cedo possível, dentro dos limites éticos e seguros para a mãe e o bebê, é claro. Os testes ainda estão em fase inicial, mas os pesquisadores estão animados e acreditam que a metodologia é promissora.

O escaneamento cerebral

A técnica de “escanear” o cérebro dos fetos não é uma novidade na medicina. No pré-natal mesmo, o médico responsável pelo acompanhamento da gestante já faz esse procedimento, “grosso modo”, através do ultrassom. Se o exame aponta um desenvolvimento fora do normal ou alguma alteração no cérebro, o médico pode solicitar uma ressonância magnética (MRI na sigla em inglês) do feto.

A tecnologia de MRI avançou muito — hoje é possível capturar imagens instantâneas da estrutura do cérebro do feto em aproximadamente 20 segundos. Ainda assim, uma dificuldade persiste: obter resultados de MRI funcional, que rastreia o fluxo sanguíneo demonstrando a atividade neuronal, pode levar até 10 minutos — um tempo muito longo para o bebê e a gestante ficarem totalmente imóveis. Qualquer movimento (inclusive a respiração da mãe ou seu processo de digestão) pode danificar as imagens e comprometer o resultado. Para solucionar o problema, pesquisadores da Universidade de Washington já trabalham na criação de algoritmos matemáticos que possam detectar e corrigir as falhas provocadas por movimentos do feto.

Os resultados

Analisando exames cerebrais de irmãos mais novos de crianças autistas, os pesquisadores perceberam alterações relevantes. Nos bebês com 6 a 12 meses de vida, que desenvolveram autismo mais tarde, certas partes do órgão cresceram mais do que o normal, quando comparados ao grupo controle. Noutro estudo, pesquisadores descobriram que bebês com 6 meses de idade, mais tarde diagnosticados com TEA, apresentam excesso de fluido entre o cérebro e o crânio, e padrões incomuns de atividade cerebral. Dessas evidências, surgiu o interesse em acompanhar o padrão de funcionamento do órgão.

Para detectar as alterações que podem ser indícios do autismo, os pesquisadores estão criando uma espécie de “atlas do desenvolvimento típico do cérebro”. Eles estão escaneando os cérebros de 1.500 fetos (entre 20 e 44 semanas pós-concepção) e bebês (com duas semanas de vida), usando o método de MRI funcional, aliado a uma técnica de “imagem de tensor de difusão” (DTI em inglês) que rastreia a estrutura de nervos, responsável por ligar as diferentes regiões do cérebro. O objetivo desse “atlas” é mapear a “fiação neural” e a atividade cerebral, entendendo como elas se transformam com o passar do tempo.

A expectativa dos cientistas é que os escaneamentos cerebrais em fetos revelem como fatores de risco para o autismo podem interferir no desenvolvimento do cérebro, e como mudanças precoces no órgão se relacionam com comportamentos posteriores.

Ser pai é uma missão de muito amor, companheirismo e responsabilidade, seja seu filho uma criança neurotípica ou com necessidades especiais.

Entre familiares e profissionais ainda persiste o boato de que 80% dos casamentos com filhos autistas terminam em divórcio. Contudo, pesquisas demonstram não existirem evidências de que pais de crianças no espectro têm mais chances de se separarem do que pais de crianças neurotípicas. Apesar disso, quem convive com o autismo provavelmente já ouviu histórias de homens que abandonaram suas famílias após o diagnóstico dos filhos. O motivo costuma ser o mesmo: “não tenho estrutura para lidar com o transtorno”.

Na contramão dessas estatísticas, temos histórias que merecem destaque. São pais que assumiram um papel de cuidado e amor na vida de seus filhos autistas, como realmente deve ser. Em homenagem ao Dia dos Pais, hoje vamos te apresentar algumas delas. Confira a seguir!

Pai fotógrafo

Créditos: Timothy Archibald

A frustração e o desespero com o diagnóstico de autismo do filho Eli levaram Timothy Archibald a criar arte. Assim nasceu Echolilia: Sometimes I Wonder, uma série de fotos que retratam Eli da forma mais natural e pura possível. O objetivo do fotógrafo é mostrar momentos reais vivenciados pelo filho, para além dos sorrisos e das poses. Por isso mesmo todas as fotografias são espontâneas, clicadas no momento em que Eli praticava a ação retratada. A série deu origem a um livro com o mesmo nome. Saiba mais e veja outras fotos aqui.

Pai escritor

Francisco Paiva Júnior é pai do Giovani, um garotinho autista de 10 anos. Desde 2010 escrevendo sobre o espectro na Revista Autismo — publicação que ele co-fundou e hoje comanda como editor-chefe -, Paiva decidiu reunir em um livro todo o conhecimento acumulado sobre o assunto. Assim nasceu “Autismo — não espere, aja logo!”, com texto da contra-capa assinado pelo Dr. Alysson Muotri, neurocientista da Universidade da Califórnia (EUA) e membro da nossa equipe técnica. No livro, Paiva fala sobre a paternidade e os sintomas do TEA, numa tentativa de auxiliar os pais a detectarem o transtorno logo nos primeiros sinais, para que os tratamentos comecem o mais breve possível. Você pode saber mais e comprar o livro aqui.

Pai anônimo

Você não precisa escrever um livro ou fazer uma série de fotos para ser um bom pai. Você só precisa dar muito amor para o seu filho e ser presente o máximo possível na vida dele. O Cleber Tourinho é um exemplo disso. E pra passar essa mensagem de amor e apoio a todos os pais de crianças autistas, ele gravou um vídeo muito sincero e bonito, ao lado do Samuel, seu filho. Assista aqui.

Você é ou conhece um pai que também é exemplo de amor e presença? Compartilhe nos comentários sua história!

A descoberta do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é sempre um momento de surpresa. Imagine quando ela acontece na vida de uma pessoa adulta.

Para qualquer mãe, receber o diagnóstico de autismo do filho já é uma situação muito difícil. Agora imagine descobrir anos depois que seu próprio pai, já adulto, passou toda a vida com a condição sem saber? Pois foi isso que aconteceu com a escritora e palestrante Anita Brito. Depois do diagnóstico do filho, Nicolas, ela passou a observar com mais cuidado as atitudes de seu pai, Arnaldo. A desconfiança dela foi o ponto de partida para o diagnóstico, recebido 10 anos depois através da médica Drª Sueli Paiva. Abaixo reproduzimos alguns trechos do relato da Anita, publicado originalmente no blog Falando um pouco de autismo.

“Após 72 anos, descubro que meu pai é autista…

Arnaldo, brasileiro, aposentado, 6 filhos, casado. Durante 72 anos, Arnaldo viveu sem saber que estava dentro do espectro autista. Nem a família desconfiava que seria isso, uma vez que, em sua infância nos anos 1940 e 1950, os estudos ainda estavam na fase inicial, tanto nos Estados Unidos quanto na Áustria.

Os diagnósticos de autismo no mundo só foram se popularizando a partir da década de 1980, mas no final da década de 1970 já haviam vários casos, ainda tidos como raros. No Brasil, o diagnóstico já existe desde a década de 1980 também, porém, o conhecimento sobre a síndrome só foi realmente popularizado, tanto no meio médico, quanto nas famílias, no final da década de 1990 e começo dos anos 2000.

Por que procurar o diagnóstico para alguém que está com 72 anos?

Nossa relação com nosso pai não foi das mais fáceis, pois não entendíamos o porquê de ele ser como era. Ninguém nunca entendeu: amigos, familiares próximos e mais distantes, colegas de trabalho. O que as pessoas geralmente faziam era se afastar dele e de nossa família.

Depois que soubemos o que era o autismo, fomos tratar de cuidar de nosso filho e fomos aprendendo dia a dia como lidar com ele. Com os avanços em pesquisas em todas as áreas e com muita leitura, fui percebendo traços em meu pai e comecei a observá-lo. Falei com minha mãe que, imediatamente, começou a perceber vários aspectos. Meus irmãos não concordaram muito, porque já estavam acostumados com o “jeito dele ser”.

Com o Nicolas crescido, fomos notando cada vez mais semelhanças no comportamento dos dois e fomos notando como meu pai preenchia várias características:

  • Não tem amigos e não tem laços fortes nem com familiares;
  • Quando gosta de alguém, é só daquela pessoa e não tem uma relação como a que qualquer um teria: cisma com uma pessoa e só conversa com essa pessoa sobre os mesmos assuntos;
  • Nunca olha diretamente para nós. Conversa muito pouco e olhando para as unhas ou para o teto. Às vezes, tem aquele olhar distante, mas nunca para nosso rosto;
  • Cada filho que nascia, ele se apegava àquele e não falava mais com os outros. Nunca foi de sentar e conversar para dar conselhos. Alguns de nossos amigos não sabiam que tínhamos pai ou, quando sabiam, achavam que ele era mudo;
  • Sua coordenação motora não é nada boa;
  • Guarda objetos por um longo tempo, sem o menor motivo e, quando se cansa, se desfaz de tudo, mas leva anos para que isso aconteça.
  • Fica sempre isolado em casa. Se estão todos na sala, ele fica no quarto, se tem alguém no quarto, ele vai para a sala e assim por diante. É nítido que ele se sente melhor quando está sozinho;
  • Nunca foi viajar conosco porque não gosta de ficar longe da casa dele;
  • Fala sempre dos mesmos assuntos. Sempre! A falta de repertório é gritante;
  • Tem sempre as mesmas roupas e se veste sempre do mesmo jeito. Só compra outra em caso de necessidade;
  • É metódico com suas coisas. Tudo tem que estar onde ele estabelece. Se sair dali, perde a cabeça e quebra alguma coisa. Já quebrou todas as cadeiras de casa quando éramos pequenos, porque saíamos da cadeira e não a colocávamos no lugar. Não suporta ver nada fora do lugar.

E muito mais…

Quando suspeitei que meu pai fosse autista, comecei a tratá-lo como tratava o Nicolas e nossa relação melhorou 1.000%. Para que eu pudesse entendê-lo, e até perdoá-lo por algumas faltas, precisei ver quem realmente era meu pai. Agora existe uma relação entre nós e eu tento estimulá-lo sempre.

Meu marido, sempre ao meu lado, me ajuda muito. Nós levamos meu pai para passear em alguns lugares, estamos sempre puxando assunto com ele e às vezes vamos à sua casa, quando ele fica sozinho. Aliás, ele adora meu marido.No dia 28 de fevereiro de 2014 tive a confirmação de uma psiquiatra de que meu pai está sim dentro do espectro autista.

Ele está de parabéns por ter formado uma família e, agora, essa família entende quem é seu patriarca, que já foi taxado de tantas coisas por vizinhos, pessoas próximas e por nós mesmos por falta de entendimento e conhecimento.

Eu achava que devia isso ao meu pai enquanto ele está vivo. Eu não queria que ele morresse incompreendido.

Alguns pontos a serem observados

  • Meu pai nasceu aos 30 de novembro de 1941, no estado da Bahia, em uma região de extrema pobreza. Nunca foi vacinado e nunca fez nenhuma dieta especial.
  • Sim, estamos mais felizes com esta descoberta. Explica muito e ajuda mais em nossa relação com ele. Ainda bem que, mais uma vez, Deus nos deu uma nova chance.”

O que aconteceu com a Anita é também um aprendizado para todos nós. Conhece uma história parecida? Quer ver o seu relato sobre o autismo publicado aqui? Mande um e-mail para info@tismoo.com.br

A influência da genética sobre o comportamento humano, principalmente nos primeiros meses de vida, acaba de ser comprovada por diversos pesquisadores americanos. O resultado de suas investigações foi divulgado em 12/07 na publicação online da revista Nature e ajuda a entender como o autismo interfere nesse comportamento.

A pesquisa e sua metodologia

Pesquisadores da Escola de Medicina da Emory University, do Marcus Autism Center, do Children’s Healthcare of Atlanta e da Escola de Medicina da Washington University conduziram um estudo com 338 bebês na faixa etária entre 18 e 24 meses. Destes, 82 eram gêmeos idênticos (que compartilham o mesmo genótipo), 84 eram gêmeos não idênticos (que compartilham apenas 50% de seu genótipo, como quaisquer irmãos não-gêmeos), 88 tinham diagnóstico de autismo e 84 eram neurotípicos e não-irmãos, representando o grupo de controle.

Para conduzir os testes foi usada a tecnologia de eye-tracking (rastreamento ocular), que monitorou os movimentos dos olhos de cada criança enquanto elas assistiam vídeos de cenas comuns da infância, como outras crianças brincando e atrizes interpretando cuidadoras.

Todos os bebês foram submetidos ao método eye-tracking. Com os gêmeos os testes foram conduzidos em momentos diferentes e independentes, sem a presença do irmão. À medida que as crianças cresciam, o teste era repetido em intervalos de tempo.

As evidências

Nas análises e comparações, os pesquisadores fizeram várias descobertas. Gêmeos idênticos, por exemplo, demonstraram que assistiam os vídeos de forma semelhante — o momento em que um gêmeo idêntico olhava nos olhos de outra pessoa era quase perfeitamente igual ao de seu irmão. No caso dos gêmeos não idênticos, essa semelhança dos olhares caiu para apenas 10%. Os pesquisadores perceberam ainda que gêmeos idênticos eram muito mais propensos a mover seus olhos nos mesmos momentos, nas mesmas direções, para os mesmos locais e mesmos conteúdos, refletindo o comportamento um do outro em apenas 17 milissegundos.

As crianças gêmeas continuaram apresentando essa característica mesmo depois de crescidas — em um novo teste, mais de um ano depois, os gêmeos idênticos permaneceram quase perfeitamente iguais em sua maneira de olhar; os gêmeos não idênticos, por sua vez, tornaram-se um pouco mais diferentes do que antes.

O ponto alto do estudo aconteceu quando os dados levantados na análise dos gêmeos e das crianças do grupo de controle foram comparados com as informações das crianças com autismo. Os pesquisadores perceberam que elas direcionaram seus olhares para os olhos e bocas das pessoas nos vídeos num nível muito menor que as outras. Os dados coletados das crianças autistas eram tão diferentes que poderiam ser usados para identificar matematicamente uma grande maioria de crianças que têm ou não têm autismo.

Essas comparações são um elo entre o comportamento de uma criança autista e um traço quantificável que emerge precocemente na infância: a forma de perceber o mundo e suas pistas sociais. Com os resultados dessa pesquisa, agora se sabe que a percepção de mundo das crianças é diretamente influenciada pela genética e alterada pelo autismo. Assim, a maneira como uma criança percebe o mundo, com ou sem autismo, é diretamente rastreável pelos seus genes.

O resultado

A influência da genética na percepção de mundo das crianças nunca foi demonstrada antes. Agora temos resultados comprovando-a. “Esses dados nos mostram que os genes de uma criança formam a maneira como ela vê o mundo. E como uma criança olha para o mundo é como ela aprende sobre ele. Cada movimento do olho — acontecendo a cada meio segundo — forma o desenvolvimento do cérebro. Então você pode imaginar esses efeitos se espalhando adiante, criando a forma como uma criança vê e entende sua realidade”, diz Warren Jones, PhD, autor principal do estudo e pesquisador da Escola de Medicina da Emory University. “Isso muda a nossa compreensão de como as crianças experimentam o meio ambiente e sobre as forças que moldam essa experiência, nos mostrando que nossa biologia genética exerce uma influência forte e generalizada sobre o que, de outra forma, imaginamos ser percepções individuais únicas”, completa.

Em estudos anteriores os pesquisadores concluíram que bebês com idade entre 2 e 6 meses, que olham progressivamente menos nos olhos das pessoas, são mais propensos a estar no espectro do autismo. Com os resultados da nova pesquisa, eles encontraram um comportamento específico altamente influenciado pela genética e diretamente relacionado ao risco de autismo.

O que mais anima os pesquisadores é a possibilidade de se ter uma nova maneira de rastrear os efeitos diretos do fator genético no desenvolvimento social inicial. “A característica é muito estável. Este é um mecanismo pelo qual os genes realmente modificam a experiência de vida de uma criança. E, por isso, isso cria uma nova oportunidade para projetar intervenções para garantir que as crianças em risco de autismo adquiram os tipos de insumos ambientais sociais de que precisam”, afirma John N. Constantino, outro dos principais autores do estudo e professor de Psiquiatria e Pediatria da Universidade de Washington.

Se você tem convívio com um pessoa no espectro autista com certeza já ouviu alguém recomendar ou comentar sobre uma dieta especial. Baseados em pesquisas científicas, alguns profissionais de saúde ainda defendem uma alimentação livre de glúten, soja e caseína por acreditarem que essas substâncias interferem nos sintomas do autismo. Mas, uma revisão de estudos publicada na Pediatrics, revista oficial da Academia Americana de Pediatria, revela que não é bem assim.

Analisando diversos estudos sobre esse assunto, pesquisadores concluíram que não é possível comprovar cientificamente a eficácia dessas dietas especiais no tratamento de pessoas autistas. Para explicar melhor esse resultado e esclarecer a questão das dietas restritivas para crianças com TEA, Dr. Alysson Muotri, membro da nossa equipe técnica, concedeu uma entrevista à revista Crescer. Confira abaixo:

“Em que era embasada, até então, a adoção de dietas especiais ou suplementos nutricionais para crianças com transtorno do espectro autista?

Autistas, em geral, possuem uma dieta restrita. São difíceis de se alimentar porque as sensações (gosto, textura etc.) não são necessariamente as mesmas de um neurotípico [indivíduo que não apresenta distúrbios psíquicos significativos]. Isso faz parte do quadro sensorial alterado por neurotransmissores durante a gestação. Essa observação faz com que se tente suplementos alimentares na expectativa de suprir as vitaminas essenciais que possam estar faltando por conta da má-alimentação. No caso da dieta sem glúten e caseína, é mais difícil de se determinar exatamente o motivo dessa adoção. Acredito que deva ter sido originado pelo fato dessa dieta ter melhorado o comportamento de alguns autistas celíacos ou com epilepsia (no passado, usava-se esse tipo de dieta para controle de epilepsias) e isso foi se generalizando com o tempo. Hoje, sabemos que a melhora comportamental em autistas celíacos ou epilépticos se deve ao controle da comorbidade [quando há dois diagnósticos associados] e não à dieta.Outras explicações foram surgindo para justificar essas dietas, como uma redução de inflamações, alergias ou controle da microbiota intestinal, nenhuma com relação causal com o autismo. Além disso, temos uma forte influência da indústria da dieta e suplementos nas famílias.

Qual é a sua opinião sobre essa revisão de estudos?

Existem diversos estudos sobre dietas especiais e autistas, com resultados controversos. Esse último estudo faz uma “metanálise”, ou seja, uma compilação e leitura crítica desses trabalhos eliminando aqueles que não foram feitos direito, como por exemplo, usando metodologias com viés ou pequeno poder estatístico. O que resta, no final, são trabalhos que foram feitos dentro do rigor científico e que demonstraram que dietas especiais e/ou suplementos alimentares não alteram o comportamento autista. De certa forma, esse resultado não me surpreende. Muitas famílias relatam que isso realmente não funciona ou tem efeito passageiro. Em outras famílias, o fato de que a mudança na alimentação não causa efeitos colaterais imediatos (ninguém sabe a consequência dessas dietas no autista a longo prazo) e é algo relativamente barato, isso cria uma sensação de “pelo menos estou fazendo algo” no psicológico da família que opta por continuar o tratamento. Mas é preciso considerar os seguintes pontos: as dietas específicas e restritivas podem causar estresse no autista e no resto da família. Isso precisa ser considerado. Por outro lado, há casos de autistas com mutações genéticas em algumas vias metabólicas que podem se beneficiar de uma dieta específica. O aconselhamento genético antes de se começar uma dieta é recomendável.

Este blog é um lugar de troca de experiências, de histórias, de conhecimento. É um espaço de diálogo da Tismoo com os autistas, familiares, especialistas e de todas as pessoas interessadas em falar sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Quando você comenta, curte e interage com as postagens, esse objetivo é alcançado. Mas quando podemos contar com a sua colaboração para dividir conhecimento com a nossa equipe e os outros leitores, aí nós temos uma certeza: estamos cumprindo bem a nossa missão.

Abaixo você lerá um texto da pesquisadora Helen Ferraz, compartilhado com a gente por ela e pela Claudia Spadoni. Além de mães e leitoras do nosso blog, elas são membros do grupo de apoio Amigos e Familiares da Síndrome de Phelan-McDermid (AFSPM), que atua em todo o Brasil divulgando informações e incentivando discussões sobre o tema. No artigo, Helen nos ajuda a entender essa síndrome do espectro autista. Vamos lá?

Autismo e a Síndrome de Phelan-McDermid

Por Helen Conceição Ferraz

Diversos estudos têm comprovado a relação entre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e a bagagem genética do indivíduo. Dentre os genes fortemente implicados em autismo, inclui-se o gene SHANK3. Ele está localizado no braço longo do cromossomo 22, na porção terminal, e está envolvido diretamente nas sinapses e nos processos de aprendizagem e memória. A perda ou mutação desse gene resulta na Síndrome de Phelan-McDermid (SPM). Além do autismo, as principais características dessa síndrome são o atraso global no desenvolvimento neuropsicomotor, hipotonia (redução ou perda do tono muscular), alta tolerância a dor e atraso ou ausência de fala. Problemas gastrointestinais, renais, respiratórios, oftalmológicos e imunológicos também podem estar presentes, com menor incidência.

Apesar do gene SHANK3 ser apontado como principal responsável pelas características da Síndrome de Phelan-McDermid, foram identificadas pessoas com características da síndrome mas com o gene SHANK3 preservado. Isso indica que outros genes na mesma região do cromossomo 22 também desempenham papel importante, entre eles os genes ACR e RABL2B.

Atualmente ainda existe dificuldade para o diagnóstico de Phelan-McDermid. Um estudo apontou que mais de 30% das pessoas com essa síndrome necessitaram de dois ou mais exames cromossômicos até chegar ao diagnóstico. Outra dificuldade é que a Síndrome de Phelan-McDermid é muitas vezes confundida com as síndromes de Angelman, de Williams, do X Frágil, Síndrome Velocardiofacial ou Paralisia Cerebral.

Os exames de microarray cromossômico e FISH têm sido os mais utilizados no diagnóstico. Entretanto, as deleções encontradas em indivíduos com Phelan-McDermid variam muito em tamanho, de menos de 100 Kb até mais de 9 Mb. Por isso, em muitos casos é necessário realizar o sequenciamento completo do genoma ou do exoma, que é também a única forma de detectar mutações pontuais no gene SHANK3. Com a utilização dessas técnicas mais avançadas espera-se um aumento significativo no diagnóstico da síndrome.

A Síndrome de Phelan-McDermid é a causa de pelo menos 0,5% dos casos de autismo. Considerando que o Brasil possui cerca de 2 milhões de casos de autismo, estima-se que o número de casos de Phelan-McDermid seja superior a 10 mil.

Na maioria das pessoas com TEA, a causa específica do transtorno permanece desconhecida. Entretanto, pesquisas recentes indicam que a carga genética de um indivíduo é responsável por 60% da sua propensão para o espectro. Neste cenário, fica evidente a importância de um diagnóstico precoce, visando proporcionar o acompanhamento médico e terapêutico necessário, imprescindíveis para a integração do indivíduo com TEA na sociedade.

Por fim, sendo o autismo uma expressão da diversidade humana nos seus aspectos neurogenético e social, os avanços nesta área demandam também uma estratégia de medicina personalizada, um conceito que visa tratar a saúde do paciente de maneira exclusiva, levando em conta seu histórico e avaliando cada caso particularmente.”

P.S.: Para saber mais sobre a SPM e sua relação com o autismo, sugerimos que você assista este vídeo.

Referências

Kolevzon et al. (2014) Journal of Neurodevelopmental Disorders, 6:39.

Reierson et al. (2017) J Psychiatr Res., 91:139–144.

Sarasua et al. (2011) J Med Genet., 48:761–766.

Phelan and McDermid (2012) Mol Syndromol., 2(3–5):186–201.

Bonaglia et al. (2011) PLOS Genetics, 7(7):e1002173.

Mieses et al. (2016) J Autism Dev Disord.,46:2508–2513.

Leblond et al. (2014) PLOS Genetics, 10(9):e1004580.

Huguet et al. (2013) Annu. Rev. Genomics Hum. Genet.,14:26.1–26.23

Gaugler et al. (2014) Nature Genetics, 46(8):881–885

Quer contribuir com o nosso blog também? Envie seu artigo, história, texto ou relato sobre autismo para info@tismoo.com.br

Muitos leitores do nosso blog perguntam sobre o autismo na vida adulta. É bem possível que esse tema já tenha passado pela cabeça de quase todos os pais de crianças autistas. Mas não vamos falar de pessoas que descobriram a condição depois dos 20 ou 30 anos. Hoje vamos contar uma história de um rapaz que cresceu com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), demonstrando seu grande potencial e usando as características do espectro a seu favor.

Robert Gagno é um jovem canadense de 27 anos que recebeu seu diagnóstico aos três. Foi a mãe, Kathy, quem primeiro percebeu que ele era uma criança diferente. Segundo ela, Robert tinha fascínio por objetos específicos, gostava de ficar girando o corpo e gritava durante encontros com outras crianças e adultos. A descoberta do autismo, contudo, não foi um alívio. “Não era algo conhecido naquela época. Os livros que encontrava na biblioteca diziam que era um problema ligado a deficiências na educação dada pelos pais, o que não fazia sentido para mim”, contou Kathy em entrevista à rede de notícias BBC.

O desenvolvimento de Robert não foi muito diferente de outras crianças autistas: ele demorou mais tempo que o normal para aprender a falar e suas palavras não seguiam uma ordem lógica, gerando frustração e um sentimento de incompreensão. Seus pais contam também que, apesar de ser uma criança doce, ele demandava muita atenção. O que eles nem imaginavam é que uma máquina seria a resposta para a inquietude de Robert. “Quando ele tinha cinco anos, uma vez eu o levei para comer um hambúrguer. Havia um fliperama e ele ficou mais interessado nele do que na comida. Minha mulher e eu percebemos que poderíamos sentar e relaxar um pouco enquanto Robert jogava”, conta Maurizio, pai do garoto. Mal sabiam eles que o brinquedo levaria Robert por um caminho de superação e conquistas.

Amor à primeira vista (e primeira audição)

Luzes coloridas e sons variados. Foram essas características que fizeram Robert se encantar pela máquina. Os pais investiram na paixão do garoto e, mais tarde, viram que deu certo: aos 10 anos de idade ele ganhou seu primeiro fliperama; aos 27 ganhou uma competição mundial.

Robert passava horas no brinquedo, em busca de resultados cada vez melhores. Quanto mais longe conseguia ir, mais ele confiava em seu potencial, o que foi um incentivo para jogar em locais públicos, como salões de jogos e boliches, e se socializar. A família apoiava, pois via na situação uma forma de aprendizado. Jogando e participando de competições Robert conseguia perceber quando era sua vez de falar, desenvolver espírito esportivo e fazer amigos. A experiência foi uma via de mão dupla: o alto poder de foco e a forte memória visual (características de sua condição autista) contribuíram para seu sucesso, enquanto o jogo e os campeonatos estimularam o desenvolvimento das suas habilidades sociais.

Ele não apenas se encontrou nos fliperamas, como teve a oportunidade de demonstrar todo o seu potencial. Aos 19 anos Robert começou a participar de competições em diversos países, até que aos 27 consagrou sua vitória no Campeonato Mundial de Fliperama da Associação Profissional e Amadora de Pinball, realizado em 2016 nos EUA. Hoje ele é um dos dez melhores jogadores de fliperama do mundo e o principal do Canadá. Sua história foi transformada no documentário Wizard Mode — uma prova viva de que pessoas autistas podem ir muito além das expectativas e frustrações de qualquer diagnóstico.

No artigo anterior apresentamos algumas invenções que podem facilitar a vida das pessoas autistas e de seus familiares. Hoje trazemos a segunda parte desse texto, com outros aplicativos e dispositivos que poderão auxiliar a rotina de quem vive e convive com o autismo.

The Autism Glass Project

Apesar de ter sido descontinuado, o óculos da Google vem sendo explorado pelos pesquisadores da Universidade de Stanford. Eles estão testando em 100 crianças e adolescentes autistas de 3 a 17 anos um software que permite a elas “enxergarem” pistas sociais através do Google Glass, e assim melhorarem suas habilidades sociais.

Usando inteligência artificial e outras formas de aprendizado mecânicas, os cientistas tentam criar uma maneira de ajudar as crianças autistas a decodificarem expressões faciais. A ideia é que, quando uma criança usar os óculos ativados com o programa, ela não precise adivinhar o tom emocional de uma conversa e consiga entender se a outra pessoa está feliz, triste ou irritada, por exemplo. Isso seria possível graças a um texto simples que apareceria no canto da tela, dizendo o que a expressão facial do outro revela sobre seu humor. Se tudo der certo, o software será comercializado em alguns anos. Você pode saber mais sobre o projeto aqui ou pelo vídeo abaixo:

 

Skoog

O Skoog é um cubo tátil acessível que melhora as interações sociais das crianças autistas através de músicas e jogos. Conectado a um iPad, o dispositivo permite que as crianças comecem a criar música imediatamente, sem qualquer conhecimento prévio.

Embora tenha sido concebido para facilitar a terapia musical, o Skoog também pode ajudar a preencher as lacunas de comunicação entre autistas e neurotípicos, dando às crianças com autismo uma experiência sensorial amigável, que acalma os nervos e incentiva a interação ao mesmo tempo.

Com informações traduzidas e adaptadas do site Mashable.
Se não leu, leia a parte 1 deste texto.

Você conhece ou já assistiu um antigo desenho animado chamado Os Jetsons? Sua característica mais marcante é o cenário futurista onde os personagens vivem: carros voadores, robôs inteligentes e muitos outros tipos de invenções dignas da ficção. Apesar de em alguns aspectos estarmos bem distantes da realidade mostrada no desenho, em outros é possível perceber claramente a influência determinante da tecnologia em nossas vidas. Os mapeamentos genéticos, por exemplo, são possíveis graças ao avanço tecnológico — não por acaso fazem parte da chamada “medicina do futuro”.

Se as pesquisas sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) recebem uma ajuda e tanto da tecnologia, com os tratamentos não seria diferente. Aplicativos e dispositivos estão surgindo para melhorar a vida das pessoas autistas e suas famílias. Hoje vamos te apresentar três deles — na semana que vem você conhecerá outros dois. Ainda que muitos não estejam ao alcance de todos, eles não deixam de representar uma esperança. Afinal, como toda tecnologia, aos poucos eles se tornarão acessíveis para quem mais precisa. Confira:

Synchrony

Semelhante a um tambor, o Synchrony é um dispositivo criado para ajudar crianças autistas a socializarem através da música. Ele pode ser usado como terapia de música formal ou informal, que tem comprovadamente ajudado crianças autistas a ampliarem suas habilidades sociais e emocionais. O instrumento ajuda crianças autistas a superar as diferenças sociais, permitindo que elas se harmonizem — literalmente — com os companheiros de brincadeiras. Sensível ao toque, o Synchrony responde com sons calmantes, sem dissonâncias ou “notas ruins” que porventura possam afetar as crianças autistas.

Proloquo4Text

Este aplicativo baseado em texto transforma instantaneamente palavras digitadas em fala. Projetado para autistas não-verbais, o Proloquo4Text pode ser personalizado para exibir palavras e frases usadas com frequência. O aplicativo também traz uma previsão de palavras e sentenças aprendidas nos padrões de comunicação do usuário, para oferecer respostas mais rápidas. É possível ainda que a pessoa escolha sua própria voz para personalizar a fala reproduzida pelo app, dando-lhe autonomia não apenas sobre o que diz, mas também sobre como diz. Está disponível na loja de aplicativos da Apple, com interface em inglês e 18 opções de idioma para escrita e fala — inclusive o português.

Leka

Este brinquedo interativo adorável serve como um amigo para as crianças autistas, incentivando o desenvolvimento da autonomia através de jogos independentes. O dispositivo inteligente Leka toca sons e música, acende, vibra e até fala para ajudar a envolver as crianças autistas em atividades multissensoriais. O gadget também é personalizável, podendo ser adaptado para atender às necessidades específicas de quem o utiliza. Veja como funciona:

 

Com informações traduzidas e adaptadas do site Mashable.

Cada vez mais pesquisas científicas consolidam a noção de que o fator genético é o principal elemento no desenvolvimento do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Essa conclusão reafirma como a genética pode ser uma aliada não apenas no diagnóstico, mas também na descoberta de perspectivas terapêuticas, tornando seu conhecimento uma informação extremamente valiosa sobre a nossa saúde.

A crença em tudo isso é o que move o nosso trabalho aqui na Tismoo. E a gente tem ainda mais certeza de estar no caminho certo quando podemos dar uma notícia tão boa quanto esta: a Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) nos convidou para participar da BIO International Convention 2017 como case de sucesso de internacionalização de uma empresa de biotecnologia. O evento, que é o maior do mundo nesse mercado, acontecerá entre os dias 19 e 22/06, em San Diego, na Califórnia (EUA).

Além da participação no evento, fundamental para a consolidação da Tismoo como uma empresa global, haverá um encontro da delegação brasileira no laboratório de neurociência no Sanford Consortium da Universidade da Califórnia San Diego (UCSD). Dr. Alysson Muotri será o anfitrião e nosso representante, apresentando seu espaço de pesquisa nos Estados Unidos e o trabalho que desenvolvemos aqui no Brasil.

Ao longo das próximas semanas falaremos mais sobre a nossa participação na BIO International Convention. Para não perder nenhuma informação e saber de todas as novidades em primeira mão acompanhe a Tismoo no Facebook e assine a nossa newsletter.